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Música, Estética e o Nada

1

A música, ao invés de trazer à tona uma verdade objetiva, parece, bem pelo contrário, intensificar o mistério, na medida em que traz uma profundidade aos objetos aos quais se alia (sejam eles palavras, símbolos, coisas etc.) que não pode ser abarcada em sua completude pela consciência, mas antes até mesmo a confunde e por isso nos leva a possiblidade infinita de interpretações. Por outro lado, exatamente tal profusão é aquilo que traz a riqueza imaginativa capaz de propiciar novas fontes de verdades objetivas. E assim parece que a música une os ciclos do consciente e do inconsciente, do mistério e da verdade, do profundo e do raso, do objetivo e do subjetivo, renovando sempre as fontes das próprias possibilidades perceptivas e imaginativas e demonstrando sua inesgotabilidade.

2

Se eu fecho o olho tudo é acusmático.

3

Minha interpretação da nona sinfonia de Beethoven é contrária à de Richard Wagner: o coral final não é o chamado ao drama, mas a dissolução das palavras na música e, portanto, a afirmação máxima da música inclusive sobre as palavras e o drama – e exatamente por isso Beethoven não fez disso uma ópera ou cantata, mas precisamente uma sinfonia.

4

A catarse e a emoção perante o drama em verdade o antecede em possibilidade, na medida em que muito se assemelham às emoções despertadas pela simples imaginação de uma história capaz de impressionar seu despretensioso criador: o drama é uma tal história, porém aprofundada (unida a outras artes e técnicas) e expandida (trama complexificada). Portanto, possui uma base perfeitamente natural, sobretudo no que diz respeito às necessidades humanas, pois, com efeito, é tão espontâneo ansiar por ver um drama representado artisticamente quanto é imaginar uma história dramática (em menor escala). Já sua arbitrariedade danosa, quando existe, está relacionada a problemas durante aqueles aprofundamentos e expansões, em si secundários, e não àquela base natural e suas necessidades.

5

Se o compositor é livre, o público não é, porque deve se submeter às vontades daquele; se o público é livre, o compositor não é, pelos mesmos motivos… Em verdade, ambos estão em constante tensão e costumam se dar melhor quando nenhum dos dois toma o poder total e impõe sua própria “tirania”.

6

Victor Hugo estava certo quando interpretou a arte na modernidade pelo viés da alternância entre o sublime e o grotesco em suas generalidades dentro de obras diversas. Hoje, porém, devemos ir além, e talvez o próximo passo só será possível através da simultaneidade dos extremos do sublime e do grotesco dentro de um só e mesmo artista.

7

Podemos gostar de um artista não pela sua obra, mas por aquela que ele poderia ter criado – levando em conta sua originalidade específica.

8

É difícil nos depararmos com algo que, perto da música, não se torne supérfluo, e por ela não possa ser apropriado e superado.

9

Se analisarmos bem, veremos que a arte conceitual, em seu cerne, é muito mais “primitivista” que “futurista”, porquanto, na medida em que tende à abstração, perde as próprias referências que advém da tradição em geral (artística, literária, poética, musical etc.), e assim reduz as possibilidades de relações mentais entre conceitos e coisas, reduzindo a linguagem ao seu nível primitivo, sem referenciais. Daí o fato da mente ficar confusa em busca de referências a fim de que possa, através de associações, compreender alguma coisa – muitas vezes em vão. E, desse modo, é semelhante, por um momento, à provável mente do homem primitivo, que, sem o desenvolvimento das linguagens, tradições e símbolos em geral, devia permanecer errante diante dos fatos (desde ruídos naturais até problemas do próprio corpo), incapaz de estabelecer uma relação causal clara entre as coisas que se lhe apresentavam. Tal incapacidade de compreensão e apropriação provavelmente era o que afastava tal homem do interesse pelas sutilezas da própria natureza, de um ponto de vista objetivo: um desinteresse semelhante ao do espectador de muitas das artes conceituais que, ao final, é conduzido de volta ao tédio e ao nada “primitivos”.

10

A música é aquilo que não permite que os cordões do nada se rompam – ela nos liga não somente aos outros, e por isso afaga o solitário, mas também à essência do mundo, isto é, o movimento, em si contrário ao nada que espreita todo aquele que sofre.

Maestro, compositor e escritor, com 6 livros já publicados. Bacharel em composição musical…